Correr para a academia e se jogar em exercícios para os glúteos, coxas, panturrilhas e outras partes do corpo é visto como saudável e exemplar, até inquestionável. Afinal, tudo pela saúde e pela boa forma, né? Agora, troque os músculos e os exercícios convencionais da academia por uma rotina que envolve contrair e relaxar a vagina – ou, em casos mais avançados, levantar até alguns “pesinhos” com ela. Esquisito demais?
A primeira coisa que vem à mente é que a prática tem uma função exclusivamente sexual, o que não é exatamente verdade. A ginástica íntima tem efeitos, sim, na sexualidade feminina como um todo; as vantagens, porém, vão muito além da ideia de um mero recurso para apimentar a relação. Prova disso é a cartilha idealizada pelas fisioterapeutas Eduarda Barbosa, Tarsila Figueiredo e Mariana Macedo, da Universidade Federal da Bahia, para a disciplina de Fisioterapia aplicada à Ginecologia.
Arte: Manu Cunhas e Dani Libardi
Elas elaboraram um guia com uma série de exercícios para o fortalecimento do assoalho pélvico e várias explicações legais sobre essa região do corpo. Pode parecer estranho, mas ainda se fala muito pouco sobre os músculos da região íntima, como se o território fosse proibido ou vergonhoso demais. A cartilha, inclusive, começa com um questionamento bem perspicaz: “Ei, mulher, você conhece a sua vagina?”. O tabu da sexualidade feminina continua tão grande que nós, mulheres, ainda respondemos “não”.
“O assoalho pélvico é uma região esquecida por nós, mesmo quando nos exercitamos. Isso vem de questões históricas, do tabu com que o corpo e a sexualidade da mulher é tratado e oprimido na nossa sociedade machista. E isso causa sérias consequências para a saúde da mulher. A principal delas é a incontinência urinaria, que é quando a pessoa não consegue segurar o xixi”, explica ela. Ainda de acordo com a especialista, o autoconhecimento e controle do próprio corpo também têm efeitos na sexualidade, garantindo mais prazer às relações.
Tem as manhas?
Mas afinal, o que é o assoalho pélvico?
Existe uma musculatura responsável por segurar os órgãos pélvicos, abrangendo as aberturas da vagina e do ânus. Ele é o períneo, ou assoalho pélvico, que tem o formato do símbolo do infinito – o “8” deitado. Já ouviu alguém de idade comentar que teve a “bexiga caída”? Pois é, esse é o tipo de coisa que pode acontecer com a distopia do músculo da região íntima, que é o enfraquecimento causado pela falta de exercícios e estímulos físicos.
“É um músculo que está dormindo, e você precisa acordá-lo. A incontinência urinária, um dos sintomas do enfraquecimento da região, não é uma doença e pode ser trabalhada com a ginástica íntima. Outra questão é que ao fazer o exercício na região do diafragma vaginal, algumas glândulas perto do clitóris acabam sendo estimuladas, o que melhora a lubrificação de mulheres que se sentem ressecadas. A maioria delas só busca ajuda quando já tem algum quadro sério”, observa a fisioterapeuta Pollyana Radinnê.
Qualquer mulher, de qualquer faixa etária, pode se aventurar na nova rotina de exercícios. A única dica é levar a brincadeira a sério, já que a ginástica só surte efeito quando praticada com uma frequência mínima. De acordo com Pollyana, o ideal é fazer pelo menos 3 vezes por semana, com 3 séries ao longo do dia. Dá para começar de um jeito bem simples: segurando e soltando o xixi, sem mistério.
Essa contração já é um bom começo, mas não pode parar aí. O mesmo exercício deve ser feito quando a mulher estiver deitada, por exemplo, sem o efeito da gravidade. Quando os músculos começarem a ficar um pouco mais fortes, é hora de dificultar a ginástica. Em pé, Pollyana sugere que a mulher caminhe segurando bolinhas de chumbo com a vagina. Independentemente do nível de dificuldade da prática, é importante lembrar que o corpo precisa descansar por alguns dias, entre os treinos.
Gestantes e mulheres que tiveram filhos também podem aproveitar os benefícios dos exercícios. “Existe o mito de que a mulher fica com o canal vaginal muito dilatado depois de ter um filho, principalmente se for por parto normal. Não é verdade, pois ela pode recuperar a integridade dos músculos mesmo depois desse tipo de parto. Se a mulher fez exercícios antes e depois da gravidez, ela sofrerá bem menos de incontinência urinária. A musculatura também volta ao normal”, reforça Pollyana.
Mais sexo, menos cólicas
Já faz 5 anos que Camila Machado pratica alguns exercícios de ginástica íntima, dois anos depois do nascimento da filha. A dica veio de sua cunhada, que falou sobre a importância do fortalecimento da musculatura vaginal. “Resolvi começar a treinar para fortalecer os músculos, mas também para entender os efeitos da prática na vida sexual. No quesito saúde, senti que minhas cólicas melhoraram bastante. Já na sexualidade, o que mudou, para melhor, foi a minha autoestima”, conta ela.
Camila começou do jeito mais simples e acessível: pesquisando técnicas e dicas de exercício na internet, sem nenhum acessório especial ou tendo que desmarcar compromissos na agenda. Ela pratica cerca de 5 vezes por semana. “Disponibilidade de tempo não é problema, pois posso fazer em qualquer lugar, enquanto trabalho, pego ônibus, converso… É legal pensar que você está exercitando algo que as pessoas nem imaginam”, brinca.
Apesar de praticar há tanto tempo, Camila já enfrentou olhares de reprovação de homens e mulheres por ser adepta da ginástica íntima. Mesmo assim, ela segue firme e forte na lição de casa, e pretende evoluir ainda mais. O próximo passo é aprender técnicas de pompoarismo, que focam os exercícios na prática sexual, e começar a treinar com cones e bolas tailandesas, acessórios específicos do pompoar. Não há crítica e julgamento alheio que consigam diminuir as vantagens de “acordar” os músculos da região.
Além de dar mais prazer, a ginástica íntima dá mais controle à mulher do próprio canal vaginal na hora da relação. A contração voluntária é prazerosa para elas e para eles, também. “É a mulher que consegue limitar até onde o órgão do parceiro pode ir, principalmente quando o pênis do homem é maior que o canal vaginal, machucando o colo do útero. A contração dá mais prazer ao homem do que a penetração total”, esclarece Pollyana.
Em resumo, “autoconhecimento” é a palavra que melhor define a prática da ginástica íntima. Reconhecer a própria musculatura, prazeres, possibilidades, potências e desafios é um exercício que vai além da questão física. Os benefícios existem, é claro, mas o ganho também é emocional, principalmente em meio à tanto silêncio que ronda a região íntima e seus mistérios.
Vamos acordar a região íntima? Aqui estão alguns exercícios sugeridos pelas fisioterapeutas da UFBA. Bom treino! 🙂
Ginástica íntima
Créditos: Arte: Manu Cunhas e Dani Libardi
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